Pesquisa divulgada na Science identifica povoamento das Américas

Pesquisadores do Museu Nacional e da UFMG participaram do trabalho genético de fósseis encontrados no Brasil

9 de novembro de 2018 às 09:16

Foto: Os estudos apontam que há 25 mil anos houve uma onda migratória que partiu da Sibéria e se expandiu para a Austrália e de lá seguiram para o continente americano - Luiz Souza/Museu de História Natural da Universidade de Copenhagen

Uma pesquisa para identificar o povoamento da América do Sul e a relação com a América do Norte, a Sibéria e a Austrália, foi publicada nesta quinta-feira (8) na revista norte-americana Science. O trabalho se baseia no estudo genético de fósseis encontrados no Brasil, em populações de Lagoa Santa, em Minas Gerais, e do homem de Spirit Cave, a múmia natural mais antiga do mundo, encontrado em Nevada, nos Estados Unidos.

O trabalho, que contou com a participação de pesquisadores do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Museu Nacional, da Universidade da Dinamarca, foi apresentado no auditório do Zoológico, ao lado do Museu Nacional do Rio de Janeiro.

O líder do projeto, pesquisador dinamarquês Eske Willerslev, da Universidade de Copenhagen, disse que estava muito satisfeito por dois motivos: um pela publicação na revista Science dos estudos realizados junto com seus colegas em uma “maravilhosa colaboração” e o outro por saber que a pesquisa em conjunto vai se estender ao futuro.

Os pesquisadores querem saber como se formaram essas populações, quantas ondas de migrações ocorreram e em que medida influenciaram a formação dos povos que, atualmente, habitam essas regiões.

Lagoa Santa
O início das escavações em Lagoa Santa, onde foi encontrado o crânio de Luzia, o mais antigo fóssil brasileiro, foi feito pelo arqueólogo e paleontólogo dinamarquês Peter Lund, que, no fim do século 19, levou o material ao seu país onde, para a continuidade dos estudos, foi arquivado no Museu Nacional da Universidade de Copenhagen.

De acordo com o pesquisador do museu dinamarquês, Peter de Barros Damgaard, que trabalha com Willerslev, durante muito tempo o material ficou parado até os pesquisadores fazerem a primeira análise, com sucesso, datando e sequenciando os esqueletos. Agora, aos estudos, estão sendo anexadas amostras que foram resgatadas pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro, meses antes do incêndio do dia 2 de setembro deste ano.

“Temos já resultados positivos, não só datando as amostras, mas também sequenciando genomas completos”, disse Damgaard.

O pesquisador Luiz Souza, da Universidade Federal de Minas Gerais, disse que a importância de Lagoa Santa na descoberta está no tipo de solo da região. “É um solo calcário que permitiu tanto os ossos de populações pré-históricas, como de animais da época, ficassem mais preservados até agora, o que é difícil de se encontrar em outros ambientes. O fato do solo de Lagoa Santa ter essas propriedades particulares permitiu que até no século 19, inclusive, e ainda hoje, há escavações nesses locais e encontrando mais ossos”.

Luzia e migrações
Os pesquisadores se debruçam, agora, na avaliação de como podem fazer uma análise genética do fóssil de Luzia, que, para eles, pode explicar a relação da população de Lagoa Santa com os povos nativos da América do Sul e da Austrália. “É para saber como entrou este sinal genético que conecta os povos da América do Sul com os povos da Austrália comparados aos índios da América do Norte”, explica Damgaard.

Na visão do pesquisador, Luzia é a chave para explicar esse mistério. “Estamos olhando cinco genomas que estamos publicando agora, e nos reconstruídos a partir do Museu do Rio, que nos mostraram alguns meses antes do incêndio. Eles têm mais ou menos 10 mil anos, só que a Luzia tem aproximadamente 12 mil anos. Isso são dois mil anos de diferença em que várias coisas podem ter acontecido”, disse.

Em Lagoa Santa também foi notado um sinal genético que mostra que há 10 mil anos ocorreu um encontro do povo local com outras populações australomelanésias [Austrália e Melamésia], que não existia na América. “Isso causa uns problemas de interpretação nesse tipo de dado, porque tem duas opções. Uma de que a América do Sul já estava colonizada por povos austrolomelanésios, que não moravam na América do Norte e se misturaram com grupos que entraram na América há 10 mil anos, ou que entraram em outras ondas antes de 10 mil anos atrás, antes da primeira colonização americana e se misturaram na América do Sul”, afirmou.

Os estudos apontam que há 25 mil anos houve uma onda migratória que partiu da Sibéria e se expandiu para a Austrália e de lá seguiram para o continente americano. Com essa migração, existe a possibilidade de povos da América do Sul terem sinal genético australomelanésio. “O que podemos saber é que há 10 mil anos existia um sinal na América do Sul que não existia na América do Norte. Como interpretar isso? Há duas opções: uma de que realmente a América do Sul era ocupada por grupos australianos antes dos nativos americanos ou grupos que tinham esse sinal entraram junto com os primeiros colonizadores não se misturaram e foram direto para a América do Sul”.

Além disso, há seis mil anos houve uma segunda onda migratória, que, conforme o pesquisador, parece que começou na América Central e vai para o norte e para o sul.

A pesquisadora Cláudia Carvalho, do Museu Nacional, informou que o crânio de Luzia tem uma datação de 11.500 anos. Para ela, com o material encontrado em Lagoa Santa, o pesquisador Peter Lund revolucionou a ciência, poque não tinha material mais antigo. Segundo ela, o que o trabalho atual mostra é que há uma nova interpretação com mudança de paradigmas sobre o povoamento da América e que voltam para a América do Sul.

“E tentar discutir novamente uma pergunta que às vezes é recorrente de tempos em tempos, porque temos essa diferença entre a América do Norte e a América do Sul e porque a gente não pode simplesmente o tempo todo imaginar um processo simples pela terra ou interior do continente. Uma das hipóteses citadas, absolutamente plausível, é que de passagem pela costa, que pode ter diferentes ambientes, mas tem uma relação grande com a água, que entre aspas, seria muito mais fácil do que em outras situações”, disse a pesquisadora, lembrando que, no caso da costa brasileira, tem a distribuição de grupos pré-históricos que se espalham muito rápido pela região.

Para a professora Cláudia Carvalho, a publicação na Science mostra que a pesquisa no Museu Nacional está viva apesar do incêndio. “Esse é um trabalho de parcerias que dá para pensar no futuro, porque o que se tem hoje são mais perguntas, a gente não tem apenas respostas. A gente tem uma direção, um dado, mas que vai levar a gente cada vez a mais perguntas sobre a ocupação da América.”

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